OPINIÃO
Os órgãos de controle estão fora de controle
Dizem que a arte é implacável. O
sujeito pode falar bonito sobre ela. Dar as aulas mais extraordinárias. Ser
crítico reconhecido em qualquer uma de suas linguagens. Mas, quando este mesmo
“ser intocável” se mete a expressar-se por meio dela, não há perdão. O cara vai revelar o que não queria revelar e, acima de tudo, mostrar suas limitações.
Observando a parceria entre o Ministério
Público Federal (MPF) e a Procuradoria Geral da República (PGR), que por meio
do procurador da República, Deltan Dallagnol, divulgou as “10 Medidas Contra a Corrupção”, vê-se que não é só a arte que é implacável.
A política também.
Sem um mínimo de conhecimento jurídico, em sã consciência ninguém consegue identificar uma única brecha nos discursos do Procurador–Geral da
República ou qualquer um dos intocáveis procuradores do Ministério Público.
Falam com maestria sobre elevados conceitos de estado de direito, República,
democracia, autonomia dos poderes e tantos outros assuntos que os elevam a
altares midiáticos. Mas, lendo a proposta para o combate à corrupção, “10 Medidas Contra a Corrupção”, vê-se
que os conceitos foram decorados em bancos escolares de duvidosa qualidade,
pois se esvaem como fumaça na leitura da peça publicitária. A preocupação em
sobrepor-se ao poder legislativo, que menosprezam, é tão evidente, que para cada
medida já apresentam um anteprojeto de lei. Prontinho para a “adesão” da Câmara
ou do Senado. Jamais admitiriam reunirem-se ou convidarem deputados para um "trabalho em conjunto". Isso seria uma mácula nas suas imagens.
Cabe, então, uma primeira pergunta. O
panfleto das “10 Medidas Contra a
Corrupção” foi feito em horários de almoço ou após o fim do turno de
trabalho? Quem pagou a gráfica para imprimir o panfleto? São perguntas
importantes, pois quero saber se o contribuinte está financiando essa campanha.
Sou capaz de intuir que as
medidas foram discutidas fora do horário de trabalho e o MPF/PGR não está
pagando essa campanha política e eleitoral de Rodrigo Janot e seus procuradores
aliados. E confesso que foi essa a melhor resposta que encontrei, pois admitir
que esses dois importantes órgãos públicos estão assinando essa proposta de “10 Medidas Contra a Corrupção” seria admitir
que caminhamos em direção ao precipício, levando o estado de direito, a
República e a democracia morro abaixo. Se bem que poderia pensar o contrário, se
considerasse o que vejo no facebook (particular) do cidadão Deltan Dallagnol: sua
foto em composição com uma estrondosa imagem do prédio da Procuradoria Geral da
República em Brasília. Isso também é arte. Isso também é revelador.
O suporte institucional das tais
“10 medidas” - que encontrei pelo Google no site www.canaldootario.com.br,
que apoia integramente a ideia da campanha do MPF de recolhimento de 1 milhão
de assinaturas -, se sustenta numa mentira (não existe outro nome) anunciada
pelo documento: a de que a ONU e a
Transparência Internacional as apoiam. A ONU não apoia nem teste de
virgindade, sob o argumento de que “procedimentos degradantes, discriminatórios e sem base científica devem ser banidos”.
As contradições
entre as tais medidas e a Convenção
das Nações Unidas contra a Corrupção” (ONU-2009), eclodem logo na segunda
medida proposta, quando a PGR/MPF defende a aprovação de uma lei que
possibilite a realização de testes de
integridade. Assim explicado, nas palavras deles:
“Art. 3º Os testes de integridade consistirão na simulação de situações sem
o conhecimento do agente público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição
para cometer ilícitos contra a Administração Pública”.
Nos treze artigos iniciais da Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção, dez vezes se repete: “de
conformidade com os princípios
fundamentais de seu ordenamento jurídico”. Da Constituição brasileira, no
nosso caso.
Mas, como o pejorativo “jeitinho brasileiro” também
está no sangue dos detentores do título de nobreza de aprovados em concursos
públicos, se não há suporte na legislação brasileira, muda-se a legislação.
Esse é o caso das “10 Medidas Contra a Corrupção”,
anunciadas pelo MPF/PGR com o seguinte apelo emocional: “Sucesso da Lava Jato
depende de novas medidas”.
Com essa inovadora
proposta de criar uma lei para permitir testes de integridade, o MPF/PGR deixa de seguir a orientação da ONU “de conformidade com os princípios fundamentais de seu
ordenamento jurídico”, optando
por desconsiderar o inciso IV do parágrafo 4º do art. 60 da Constituição
Federal:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir:
IV
- os direitos e garantias individuais.
E onde estão esses direitos e garantias individuais
que são os tais princípios fundamentais? Principalmente no artigo 5º, onde
podemos escolher alguns que a proposta tenta jogar no lixo:
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação;
E se o tal Teste
de Integridade obtiver a informação de que certa pessoa é hedonista (adepta
dos prazeres), que é contra o governo, que não acredita em Deus ou que é
favorável aos gays, lésbicas e metrossexuais? Sejamos sinceros: quem estaria
apto a decidir se esses pensamentos seriam adequados ao agente público
incorruptível? Ou eles seriam considerados “prova” de que aquelas convicções, (filosóficas ou políticas) repletas de
lascívia, devassidão e ateias são propensões à corrupção? Para demonstrar como
é subjetivo o julgamento das informações, transcrevo, do facebook (público), o
perfil de um dos que poderão analisar tais testes: Deltan Dallagnol: “Seguidor de Jesus, Marido e Pai Apaixonado, Procurador da
República por Vocação e Mestre em Direito por Harvard”. Cada um
tire suas conclusões.
Seguindo com os princípios fundamentais que a
proposta de Teste de Integridade
nega, transcrevo:
LVI
- são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
O que
são provas ilícitas, nobres procuradores? Até nos sites de busca da internet se
acham respostas plausíveis:
“provas ilícitas as obtidas com
violação da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, do domicílio, e
das comunicações, salvo nos casos
permitidos no inciso XII.
Veja o que diz o inciso XII do
artigo 5º da Constituição Federal:
"XII
- é inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal;
No anteprojeto de lei,
sugerido pelo MPF/PGR, o tal Teste
de Integridade, é definido como opção da administração pública (inclusive MP, Corregedoria,
Controladoria, Ouvidoria ou órgão congênere de fiscalização e controle) e obrigação da polícia (art. 2º), “cujos resultados poderão ser usados para
fins disciplinares, bem como para a instrução de ações cíveis, inclusive as de
improbidade administrativa, e criminais”. Ou seja, o crime não foi
cometido, foi um teste, mas o cara já está enquadrado, porque a tal lei
autoriza a montagem de uma polícia política, com autorização para “plantar” agentes
secretos e montar simulações com o intuito de “flagrar” para criminalizar.
Resta assegurar o contraditório aos procuradores
para que nos expliquem de qual democracia extraíram essa sanha ditatorial, que nega
as garantias constitucionais do cidadão e ressuscita práticas da extinta
polícia política da ex-União Soviética (KGB) e da polícia política de Hitler
(SS). Ambas de triste memória.
Sinceramente, nesse
artigo não seria possível analisar cada uma das 10 Medidas propostas pelo MPF/PGR,
nem tampouco descartá-las totalmente, pois algumas são necessárias, como aquelas
que tratam da eficiência da justiça e do aumento das penas para os casos de
corrupção. Mas deixemos essa tarefa para a Ordem dos Advogados do Brasil, que
tem entre seus propósitos defender o estado de direito e a democracia. Urge um
estudo dessa minirreforma para separar as medidas necessárias daquelas que não
passam de marketing diabólico com ares angelicais.
Quando assistimos a um
jogo de futebol de craques, a gente não se conforma se o cara chute para fora
uma bola que entraria no gol só com um leve toque. Não é pra isso que ele ganha
tão bem, dizemos.
Do mesmo modo, podemos
afirmar, sem receio de cometer qualquer injustiça, que procuradores do
Ministério Público Federal e da Procuradoria Geral da República não são pagos
pelos contribuintes para cometer esses abusos interpretativos da ordem
constitucional. Não é possível admitir que os procuradores desconheçam a
constituição. Isso não.
Mas, se não é isso,
podemos intuir que a proposta das “10 Medidas Contra a Corrupção”, é um
jogo político de marketing (com dinheiro público) para atrair a população e jogá-la
contra o Congresso Nacional, caso ele não aprove as tais 10 Medidas.
Ainda melhor que seja
isso, do que admitir que está em curso uma maquiavélica trama, Se der certo, abolirá
diversas garantias constitucionais do artigo 5º e fará dos cidadãos e dos
servidores públicos “culpados até prova em contrário”. Se der errado, jogará a
culpa do insucesso da operação Lava Jato nos ombros do Congresso Nacional ou da
sociedade que não se mobilizou suficientemente.
É evidente que os
operadores dos órgãos de controle estão fora de controle.
Francisco Ferreira
Morbeck
Jornalista e Advogado
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