Diretor da organização Livre de Tortura diz que dano pode ser irreparável.
No Brasil, prática nasce na escravidão e se institucionaliza na ditadura.
No Brasil, prática nasce na escravidão e se institucionaliza na ditadura.
De uma ditadura, é possível esperar toda e qualquer arbitrariedade, incluindo a tortura e o uso da violência física como arma de repressão e humilhação dos adversários. Em uma democracia, arbitrariedades são inadmissíveis e a tortura não pode ser uma arma que o Estado e seus representantes usam contra o cidadão.>>>
Apesar da falta de dados precisos, pode-se dizer que o caso Amarildo não é exceção. O desaparecimento forçado do ajudante de pedreiro da favela da Rocinha, na zona sul do Rio, que, segundo o inquérito, foi torturado e morto por policiais militares, é apenas mais um exemplo de um crime no qual o Brasil tem uma longa e vergonhosa tradição.
No Brasil, a tortura mancha a imagem dos governantes. Analistas apontam que, mesmo que não determinem objetivamente o uso da tortura, as autoridades acabam sendo cúmplices pela inação. Em agosto deste ano, foi instituído o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, com o objetivo de enfrentar e punir a prática desses crimes nas prisões. Cinco anos antes, o país assumiu junto à ONU o compromisso de criar mecanismos oficiais de prevenção à tortura e melhoria do sistema penitenciário. O Brasil tem mais de meio milhão de presos, a quarta maior população carcerária do mundo.
Segundo a cientista política Beatriz Affonso, a tortura nasce na escravidão, período em que era popularmente aceita, e se institucionaliza na ditadura militar, onde passa a ser prática recorrente. “A tortura de hoje é uma herança, por conta da impunidade”, afirma a especialista do Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional. A ONG atua nas Américas pela implementação de normas internacionais sobre direitos humanos nos países da OEA.
Beatriz destaca que é sintomático que o caso Amarildo tenha visibilidade no momento em que o Congresso Nacional tenta votar em caráter de urgência uma lei para tipificar o desaparecimento forçado. “O que é muito importante que se reconheça? Que o crime de desaparecimento forçado em todos os países que têm essa lei tipificada é um específico para agentes públicos”, diz.
Em Portugal, a memória mais recente da prática disseminada de tortura remete à polícia política da ditadura de Salazar. Depois de deixar o governo, em 2011, o ex-primeiro-ministro José Sócrates lança um livro sobre a tortura em democracias. “A tortura está presente em toda a história da humanidade, mas há um momento em que deixa de ser instrumento para conhecer a verdade sobre o passado para ser método de conhecer a verdade sobre o futuro”, diz. O especialista aponta que a tortura, quando assumida pelo Estado, é um veneno que se espalha e corrompe as instituições.
Nos Estados Unidos, uma das primeiras medidas do presidente Barack Obama foi um decreto proibindo o uso da tortura, que tinha sido autorizada contra presos suspeitos de terrorismo pelo antecessor George W. Bush. Mesmo assim, o advogado e escritor Michael Ratner, que representa presos na base de Guantánamo, em Cuba, aponta que ela continua existindo. “Não gosto de dizer isso, mas, apesar de todo nosso trabalho e ações judiciais, nós provavelmente perdemos a batalha”, lamenta.
Para Ratner, três razões podem explicar essa ‘derrota’. A primeira delas é o ataque terrorista de 11 de setembro, que aterrorizou a população e fez com que elas apoiassem a tortura sob o argumento de que se sentiriam mais seguras. O segundo ponto – segundo o especialista – é o fato de autoridades como o presidente Bush e o vice-presidente Dick Cheney terem defendido a prática. E, por fim, a mídia também teve papel decisivo. Na visão do advogado, filmes como ‘A hora mais escura’ justificaram a tortura como uma maneira de matar Osama Bin Laden.
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