OPINIÃO
Alguns papéis são exercidos por pessoas que conseguem permanecer tranquilas, mesmo com o coração em desespero. É o caso do cantor. Como ele pode não interromper o canto, com a própria voz embargada, quando sai de sua boca uma canção que toca a alma?
Alguns papéis são exercidos por pessoas que conseguem permanecer tranquilas, mesmo com o coração em desespero. É o caso do cantor. Como ele pode não interromper o canto, com a própria voz embargada, quando sai de sua boca uma canção que toca a alma?
Caso semelhante
ocorre com a política. Para exercê-la é preciso ter estômago de avestruz, capaz
de digerir um sapo atrás do outro. Algumas pessoas, poucos vividas nessa arte,
confessam que o intestino “desanda” a cada round
do confronto, porque a política “muda como as nuvens”, como imortalizou o
falecido político mineiro arenista Magalhães Pinto.
Na guerra verdadeira
não poderia ser diferente. Exige entranhas de aço. As regras são poucas e, não
nos iludamos, todas falsas. Nunca se viu uma guerra honesta, que respeitasse
princípios. Se respeitasse, nenhuma guerra aconteceria.>>>
Na política, que
substitui a guerra, a situação não é diferente. Fala-se muito em interesse
público, em princípios constitucionais da administração pública e em ética na
política, mas essas são as primeiras a sucumbir quando a eliminação do inimigo
político ou a desonra do adversário é a saída encontrada para manter acesas as
luzes do palco.
No caso específico
da guerra de números que se instalou entre o governo que fechou as cortinas e o
governo do Distrito Federal que as abriu, a sociedade não sabe onde começa a
verdade e onde termina a mentira. Mas pressente que o prolongamento do discurso
“dos males da herança Agnelo” pode destruir o que o eleitor tem de novidade no
governo Rollemberg – as propostas efetivas daqueles que se elegeram declarando
que “não jogam o jogo da política”. E, como temos que evitar que a boca fique
torta em razão do uso continuado do cachimbo, é urgente e necessário ouvir as
propostas desse novo perfil político o quanto antes. Se demorarem as respostas,
é de se temer que esse novo perfil político se transforme em incapacidade
travestida de moralidade. Ou, ainda, que se estabeleça a paralisia dos serviços
públicos sob a ladainha da reorganização da gestão pública.
Para não cair nas
armadilhas da incapacidade ou da paralisia, é preciso que o governo Rollemberg
mantenha o foco no interesse público, que obriga os agentes políticos, nomeados
por ele, a garantir a continuidade dos serviços prestados ao cidadão. E fuja,
como o diabo da cruz, das tentações fáceis do adiamento, da inoperância e da
omissão, mesmo que os poderes públicos ou políticos as endossem.
Se assim não for,
as protelações promovidas pelo seu governo serão entendidas pela sociedade como
ineficiência. Se vierem em nome da moralidade, serão entendidas como
imoralidade. Se vierem em nome da lei e da justiça, serão entendidas como ilegalidade
e injustiça. Porque o cidadão brasiliense, por não ser o responsável pela crise
que se instalou no Distrito Federal, não aceitará ser penalizado pelas soluções
ou omissões do novo governo. Hoje mesmo, às 3:45h da manhã, qualquer um que
precisasse de atendimento médico em Ceilândia, seria tomado de súbita surpressa
ao dirigir-se à UPA ou ao Hospital Regional, ambos sem alma alguma presente:
nem pacientes, nem atendentes. Mas, no estacionamento interno do HRC tinha uma
centena de automóveis. Na UPA umas duas dezenas.
Essa guerra
brasiliense é a mesma guerra vivida no Brasil desde a colonização. Aquela que
coloca em lados opostos o Estado/Governo e a sociedade. Guerra tão desigual,
que foi necessário instituir dois importantes remédios no pós-ditadura militar
que restabeleceu a democracia: uma Constituição para evitar que o primeiro massacre
o segundo, e a criação do Ministério Público, cuja atribuição é estar ao lado do
mais fraco nessa batalha – como um Procon da sociedade e do cidadão, conforme definido no inciso II
do art. 129 da Constituição Federal: “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;”.
Mas lembremo-nos, se na guerra as regras são falsas, na
política não é diferente se aquele que zela referendar pactos políticos contra a sociedade que deveria defender.
E se aquele que governa ancorar-se na “desordem deixada pelo antecessor” para
paralisar seu próprio governo ou jogar o ônus da situação nas costas da sociedade,
punindo-a sem que tenha sido ela a responsável pelo desastre administrativo do GDF.
Como visto, a
sociedade é a parte mais fraca nessa guerra, razão pela qual ela conta – ou deveria
contar, com a “proteção” do Ministério Público para assegurar seus direitos
constitucionais. Mas a guerra não respeita regras e o contrário pode acontecer:
procuradores do MPDFT recomendando e endossando a paralisação da máquina
pública e o adiamento das urgentes ações do governo Rollemberg nas áreas de
saúde, educação, segurança e outras prestações de serviço para o qual foi
eleito. Esse seria o caminho mais fácil. Mas, obviamente, falso.
Se o cantor
interrompe o seu canto, emocionado com sua própria interpretação, ele não é
cantor, porque isso não é cantar. Se os procuradores invertem o trabalho do
Ministério Público, para servirem de avalistas da paralisação do governo e da
punição do cidadão com impostos, ele não é garantidor de direitos constitucionais,
porque isso não é zelar. Se
o governador paralisa o seu governo, chocado com o legado que recebeu, ele não
é governo, porque isso não é governar.
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