O mais interessante no pensamento da elite e da classe média é sua ingenuidade política. Intelectualmente preparadas nas universidades e faculdades que primam pelo "marque um X na (única) resposta certa", elas desconhecem os caminhos imprevisíveis pelos quais as mudanças políticas ocorrem.
Nas últimas décadas, embevecidas pela liberdade de manifestação do pensamento e com maior liberdade operacional dentro da sociedade de consumo que as privilegias sob a alegação de sua competência, elas incorporaram o falso pensamento de que as ruas lhes pertencem. Tanto ouviu falar nas mudanças provocadas desde o movimento das Diretas Já em 1984, alcançadas pela força do povo nas ruas, que ela está "se achando", como dizem hoje popularmente.
Isso posto, não sabe elas que a presença de suas simplificações nas ruas - onde todos são bandidos, menos elas e Moro, pode trazer-lhes resultados indesejados, já que suas bandeiras não respeitam sequer os limites constitucionais. Lembrando: a Constituição é um contrato entre todas as partes que formam a sociedade. Deve, então, valer para todos. Do gari ao Juiz. Do peão ao ministro do STF.
A mentalidade com que se formou a elite brasileira e a classe média é sua maior>>><<< inimiga nesse momento de crise política e econômica. A elite despreza o povo e só lhes oferece aquilo que não a ameaça, inclusive essa democracia na qual só sobra espaço para seus representantes, já que ela funciona com dinheiro, seja para a compra de votos ou para a venda de seus candidatos como produtos de consumo. A elite "está de galão" como dizem os portugueses ao declarar que estão no comando. A classe média bate palmas para a elite, mas tudo o que ela sonha e possui - direitos inclusive, que são para todos, porém mais acessíveis para ela, é fruto da dura luta dos que nada possuem, senão seus próprios filhos, seu sonho de casa própria e de um bom emprego. Vejamos:
Todos têm direito à escola pública, mas a classe média matricula seus filhos em escolas privadas, pagando caro por algo que não lhe é entregue: uma educação de qualidade que, diga-se de passagem, pouco tem a ver com acesso à computadores, natação, judô e outros atrativos. Paga caro a escola privada para livrar-se da responsabilidade de assegurar a qualidade do ensino público, que é para todos.
A classe média não leva seus filhos ao teatro, galerias de arte, museus, parques públicos, acampamentos ou outras atividades gratuitas. Iludem-se enchendo os olhos deles com o mundo do consumo de elite (MacDonald's, Disney, Barbie, Batman, Homem Aranha, CSI, Apple, Sky etc) onde manda o dinheiro.
Depois, quando falta a grana para luxos e supérfluos - coisa absolutamente normal no capitalismo no qual as crises fazem parte do roteiro, onde quer que esteja -, acusam qualquer um por sua rendição ao consumismo, que usam para educar seus filhos.
A crise não inventa a mediocridade, apenas expõe ao ridículo a ilusão em que mergulha nossa mentalidade. Tenhamos certeza, os pobres e deserdados estão mais aptos a enfrentar a crise, porque nada têm a perder e sobrevivem dentro dela a cada minuto do dia.
Esse modelo de sociedade de consumo - valor típico da classe média - se estabelece e prevalece contando com milhões de pessoas que devem permanecer na pobreza e na miséria - exército de reserva para garantir baixos salários e privilégios dos mais "competentes". Assim, grite a classe média por suas contas em atraso e sua voz se misturará aos clamores dos que tem fome crônica.
Aí está a lógica do "certo por linhas tortas". Os pobres sempre viveram em crise e já estão acostumados com ela. Nesse momento, se ela aponta na esquina da elite e da classe média, que a denuncia com estardalhaço, o barulho poderá acordar os que se acostumaram com ela. A partir daí, para resolver a crise, a elite e a classe média terão que resolvê-la, também, para os pobres, porque há décadas ela vive e dorme na casa de milhões de brasileiros sem cidadania. Enquanto a elite e a classe média querem apenas o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, as classes pobres querem melhores salários, moradia, reforma agrária etc.
Melhor faria a elite e a classe média continuar com seus métodos republicanos e democráticos - leia-se: respeitar a Constituição doa a quem doer - e não se misturar assim na rua, porque as praças e as ruas sempre pertenceram ao povo. A não ser que estejam dispostos às consequências possíveis de abrir mão dos privilégios que ora usufruem para resolver os problemas dos que nada possuem. Quem aprendeu o caminho das ruas na teoria pode virar, apenas, abre alas para o povo.
Francisco Morbeck
Advogado e Jornalista
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