Parte 3
Recentemente o cansado juiz
Sérgio Moro, recolhido em sua residência e apoiado por sua esposa, publicou um
vídeo em que lê um trecho do discurso de Theodore Roosevelt, ex-presidente dos EUA,
feito em dezembro de 1905, brindando seu público com trechos de combate à
corrupção, do qual extraio o mais significativa “A exposição e punição da corrupção pública é uma honra para uma nação,
não uma desgraça. A vergonha reside na tolerância, não na correção”. É o
que ele tem feito, disso ninguém duvida.
Mas haveremos de indagar: se a
primeira transmissão da voz humana por meio de ondas de rádio só foi executada
em 1906 pelo engenheiro canadense Reginald Fessenden e a televisão só começou a
transmitir em março de 1935 pelos alemães em plena ascensão do nazismo, qual
era o tamanho do dano dessa exposição defendida por Roosevelt? Mínima. Alguns
discursos e periódicos pouco lidos, pois a quase totalidade da população
americana era analfabeta, vez que as escolas públicas só começaram a ser
implantadas nos Estados Unidos a partir do século XX.
Assim, sem discordar do propósito
de Moro, afirmo que foge totalmente ao princípio da razoabilidade pinçar um
trecho de um discurso de 1905 para justificar o massacre da exposição midiática
atual de qualquer cidadão do século XXI. Hoje tal exposição é uma sentença de
morte pública. Ademais, o importante discurso de Roosevelt contra a corrupção,
não pode ser separado de outras partes do mesmo discurso, omitidas por Moro,
que cito apenas para ilustrar:
“Não pedindo nada, a não ser que o interesse
de cada um seja harmonizado com o interesse do público em geral, e que a
conduta de cada um esteja em conformidade com as regras fundamentais da
obediência à lei, da liberdade individual e da justiça e do tratamento justo
para com todos”.
“Todo homem deve ter a garantia de sua
liberdade e do seu direito de fazer o que quiser com sua propriedade ou seu
trabalho, desde que não infrinja os direitos dos outros. Nenhum homem está acima
da lei e nenhum homem está abaixo dela. Nem pedimos permissão a qualquer homem
quando exigimos que ele a obedeça. A obediência à lei é exigida como um
direito”.
“Nunca se deve esquecer que a cidadania é,
para citar as palavras recentemente utilizadas pela Suprema Corte dos Estados
Unidos, um "patrimônio inestimável".
“Sob nossa forma de governo toda a
autoridade é investida no povo e por eles delegados àqueles que os representam
em capacidade oficial”.
Moro já cometeu o erro de
justificar a prática da publicidade das escutas telefônicas comparando a Lava
Jato com o caso do Watergate nos EUA, sob o argumento de que a sociedade tem o
direito de saber dos abusos praticados por membros do governo, mas esqueceu de
dizer que a sociedade americana puniu aqueles que praticaram as escutas
ilegais, inclusive provocando a renúncia do ex-presidente Richard Nixon, porque
ele sabia da ilegalidade praticada pelos operadores do Estado e divulgava
trechos montados das conversas.
Portanto, o oposto do que hoje
faz a Lava Jato, pelo fato de que aqui não se cogita punir quem pratica a
ilegalidade. Aliás, considerada tão “normal” por Moro que essa é uma das 10
Medidas Contra a Corrupção que ele defendeu em Audiência Pública na Câmara dos
Deputados: reconhecer a prova ilegal realizada de boa-fé (?!). Somada a outras
duas: obrigação do judiciário requisitar o parecer do MP para conceder habeas
corpus e simulação (flagrante preparado) de teste de integridade dos servidores
públicos pelos órgãos de controle, e podemos duvidar das verdadeiras intenções
dessas medidas. Que venha Rui Barbosa em nosso socorro: "As leis que não protegem nossos adversários
não podem proteger-nos".
É isso que querem dois milhões de
cidadãos brasileiros que avalizaram as 10 Medidas Contra a Corrupção? Aliás,
devíamos fazer como fazem os órgãos de controle: conferir as assinaturas e
ligar para um bom milhar desses apoiadores para saber se eles assinaram no
escuro ou são capazes de apontar duas ou três dessas propostas. Não é preciso
um grande esforço intelectual, nem uma mente brilhante para juntar essas
medidas com a cruzada que se realiza contra a Lei do Abuso de Autoridade para
ter uma ideia de onde se quer chegar. Sim, porque as 10 medidas contra a
corrupção ficarão na história como o devaneio de tentar parir o Quinto Poder
(dos órgãos de controle) debaixo das barbas dos três poderes. O Quarto já é a
mídia. “Eu não troco a justiça pela
soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela
intolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo”.
Salve Rui Barbosa.
Brava gente brasileira, brava
República tropicana, que tem sua resistência testada por Forças-Tarefas tão
reconhecidamente ilegais que nenhuma portaria, de nenhum de seus órgãos, se
atreveu a publicar sua composição integral, pois não há atribuição que
justifique juntar o que deve estar separado, vez que são órgãos que devem
manter vigilância entre si para garantir o devido processo legal, o estado
democrático de direito, a transparência e a legalidade dos atos praticados -
essas lendas. Mas, como Dom Quixote, afirmando verdades que a realidade
desmente, sigo para reduzir as dúvidas, pois não faltará quem queira me
esclarecer, considerando o que penso como “desentendimento”. Então vejamos.
De modo simples, acessível até na
internet, toda Força-Tarefa implica num objetivo pré-determinado, mas nenhuma
referência a unir órgãos que se fiscalizam entre si, nem por definição nem por
lenda. Porque se for investigar, é atribuição da Polícia Civil ou Federal
(poder executivo). Se for promover uma ação judicial a partir da investigação –
é atribuição do Ministério Público. Se for julgar, é atribuição do poder
judiciário. Cada um com sua função, em regular e constante vigilância sobre o
outro, para evitar abuso de autoridade, abuso de poder ou objetivos
inconfessáveis não previstos nas lendas.
Desse modo, só é possível admitir
a legalidade de uma Força-Tarefa quando ela é feita dentro de cada um dos
órgãos: Força-Tarefa de delegados e agentes da Polícia Federal ou Civil; Força-Tarefa
de promotores do Ministério Público ou Força-Tarefa de juízes, mantendo-se a
independência de cada um em relação aos outros. Se juntando esses órgãos em Forças-Tarefas
já podemos vislumbrar uma ilegalidade, imagine o que se pode dizer de Forças-Tarefas
clandestinas, que se realizam sem qualquer procedimento legal, mas que podem
promover a combinação entre os operadores dos diversos órgãos. Onde as lendas
não são respeitadas a busca da verdade corre o risco de deixar de ser o motor
da atividade dos operadores do Estado.
Temos o dever de preservar nossa
República, que não pode ser sequestrada por operadores que “se acham”, como diz
o povo. Operadores, com raras exceções, que se especializaram nas táticas para
passar em concursos; defenderam teses de mestrado e doutorado no exterior sem
saber falar a língua daquele país; foram aprovados em concursos de marcação de
“x” e acham que são campeões olímpicos com direito à medalha de ouro e ao
pódio. Pior ainda quando comprovam a superficialidade de seus conhecimentos,
contratando marqueteiros políticos para orientar suas “ações isentas” ou
desqualificam qualquer opinião contrária às suas convicções, como se o debate
quanto ao Estado democrático de direito (de todos) fosse uma contenda entre
eles (os certos) e os outros (os errados). O resultado é um espetáculo de senso
comum, com o qual se sentem autorizados a negar a constituição com um
regulamento debaixo do braço e a negar as lendas com uma resolução ou convicção
pseudo-jurídica.
Francisco Morbeck
Advogado
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