segunda-feira, 3 de junho de 2013

PEC 37/2011: CARTA À RÊNIO QUINTAS SOBRE AS MANIPULAÇÕES DO MP

OPINIÃO
Não são de anjos as asas dos procuradores do Ministério Público
Sempre tive confiança no senso privilegiado do artista para não se deixar levar pelo “canto das sereias” do ambiente político. Sinceramente não me abandona essa ideia.  Ainda creio que a Arte e a Cultura proporcionam condições ímpares para uma leitura privilegiada do mundo. Mas, claro, não chegamos a ser imunes ao que nos rodeia, senão não seríamos artistas.
Escrevo para comentar minha surpresa com o aval que você presta ao documento Dez razões que justificam a investigação pelo MP, pedindo-me que participe. Desculpe-me, mas depois de avançar o que avançamos em termos de democracia, direitos sociais e humanos, não dá mais pra acreditar em boas intenções, venha de onde vier. A ditadura militar também teve “boas intenções” e milhões de brasileiros bateram palmas para ela. Nosso papel é avançar sem deixar o front subir no pedestal nem deixar que um abismo nos separe da retaguarda. Nesse caso específico da Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, que o MP marketizou chamando de PEC da Impunidade, acho que estamos diante da primeira situação.
Não creio que o MP seja diferente de outras instituições que temos no país. Concordo com o Joaquim Barbosa, presidente do STF quando diz que “os partidos no Brasil são de mentirinha”. Mas não só os partidos. A justiça brasileira também é de mentirinha e o poder executivo idem. Mas eles têm uma coisa em comum que cabe ao MP fiscalizar: funcionam confirmando a máxima “para os amigos os favores da lei, para os inimigos os rigores da lei”. Quem são esses procuradores que se apresentam como anjos caídos do céu de espada em punho? Sofreram eles as consequências do abuso de poder na ditadura? O que fizeram eles para instaurar a democracia que agora querem defender com unhas e dentes? Defender sim, mas com unhas e dentes não é um bom sinal. Estejamos atentos. O MP, feito de umas poucas centenas de bons moços que passaram em concursos, pode ser o próximo instrumento de abuso de poder e autoridade dessa etapa que vivemos da construção da democracia brasileira. Para justificar minhas desconfianças, vou contribuir com o debate comentando os argumentos levantados pelo cioso Promotor de Justiça do MPDFT, Lucas Salomé Farias de Aguiar, mesmo correndo o risco de tornar-me “persona non grata” pelo MP:
“Na contramão do processo de amadurecimento da nossa jovem democracia e de fortalecimento das nossas instituições republicanas, um grupo de deputados e senadores tenta acrescentar à Constituição Federal um dispositivo que limitará a atuação do Ministério Público no combate à criminalidade, impedindo promotores e procuradores da República de investigar crimes”.
Se o MP acha que está “na mão permitida” da “nossa jovem democracia e do fortalecimento das nossas instituições republicanas” deveria respeitar o Congresso Nacional e seus congressistas e não chamá-los de “grupo de deputados e senadores”. O tratamento é depreciativo e já demonstra opinião formada contra o poder legislativo. Ademais, usam insistentemente os termos nossa e nossas como se a democracia e a República fossem deles (não nos iludamos!) e não pertencessem, também, aos congressistas.
Ademais, acusa os congressistas de “quererem acrescentar à Constituição Federal um dispositivo que limitará a atuação do MP no combate à criminalidade”. Esse discurso é próprio de quem joga para a, também, jovem mídia, com seus quadros formados sem ter uma só matéria relacionada ao direito nos conteúdos acadêmicos universitários.
E finaliza, “impedindo promotores e procuradores da República de investigar crimes”.
O MP tem estrutura para investigar crimes? Pode o MP escolher os crimes que quer investigar, se a lei é para todos?
Já existe uma quantidade de processos engavetados no MP porque ele não tem estrutura para “acompanhar todos os inquéritos” ou exercer o controle externo da polícia – suas atribuições constitucionais. Digo que o MP não tem essa estrutura porque estou tentando justificar o descumprimento de sua atribuição de exercer o controle externo da polícia, pois do contrário, teria que admitir que ele não é capaz de melhorar ou aprimorar a polícia.
As gavetas do MP estão cheias de processos. O MP não consegue, sequer, cumprir os prazos legais para intervir em cada um deles. Muitos processos tramitam na justiça em que o judiciário exige explicações do MP em razão dos abusos de autoridade e má-fé cometidos pelo próprio MP, sem que tais procuradores se dêem ao trabalho de comparecer à audiência, desrespeitando a própria justiça.
Primeiro, falta com o respeito ao Congresso Nacional ao endossar a crítica superficial da mídia que não se preocupa em apresentar qualquer alternativa para colocá-lo nos eixos. O que sobra desse discurso na boca do povo é fechar o Congresso Nacional. Segundo, colocam toda a justiça atual sob suspeita. Aí mora o perigo, pois esse discurso prepara o terreno para nos levar ao autoritarismo. Já conhecemos esse roteiro. Esse é, apenas, um caminho novo.
“A Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, apelidada de PEC da impunidade, já foi aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados e agora será submetida ao Plenário daquela Casa antes de seguir para o Senado. A vingar a ideia, criminosos de colarinho branco e políticos corruptos terão muito que comemorar, pois estarão blindados contra a atuação dos profissionais que recentemente fizeram vir à tona inúmeros escândalos em que os pivôs eram altas autoridades da República e que por isso mesmo, estavam praticamente imunes à ação das polícias”.
Aqui os “profissionais do MP” – o resto é amador, se colocam acima de qualquer suspeita, esquecendo-se do envolvimento de procuradores com tentativas de subornar investigados, como é o caso de Bandarra e Guerner. Segundo a revista Veja, “Bandarra, responsável por zelar pelo bom funcionamento das instituições públicas, recebia 150 000 reais de mesada para manter o Ministério Público distante da máfia brasiliense”. Ainda, Bandarra “Foi afastado do Ministério Público. Em maio de 2011, o Conselho Nacional do Ministério Público votou pela aplicação da pena de demissão de Bandarra, e o promotor recorreu ao STF. Bandarra, como Deborah Guerner, só perderá todos os direitos inerentes ao cargo quando e se for condenado judicialmente”. Por enquanto eles continuam recebendo seus salários, mesmo afastados do trabalho.
Dirão que é um caso isolado, certo. Mas é um caso sério, pois deixa aberta a chaga da “possibilidade” de o MP prestar-se a esse tipo de atividade criminosa. Quem fiscaliza o Ministério Público? Somente a investigação da imprensa, ela sim, um baluarte contra o abuso de poder, a corrupção e outras mazelas. Crimes que, diga-se com todas as letras, também podem ser praticados pelo MP. Ademais, os “inúmeros escândalos que o MP fez vir à tona” não resultaram de suas investigações, mas de denúncias da imprensa ou de cidadãos. Ao MP coube cumprir suas obrigações após as denúncias. Esquecer disso é tentar negar a participação da sociedade no combate ao crime do colarinho branco e, particularmente, da Polícia Federal e da Polícia Civil, instituições da nossa frágil democracia e da nossa frágil República de que não podemos prescindir.
Diante do risco de aprovação da tal proposta, o Ministério Público, a imprensa e diversas entidades da sociedade civil têm procurado esclarecer a sociedade sobre alguns relevantes aspectos que envolvem o tema, dentre os quais merecem destaque:
O MP não vê risco algum em “fazer investigações” por conta própria, sem cumprir a lei, sem proceder com um inquérito policial, invadindo a privacidade com escutas telefônicas próprias não autorizadas pela justiça (ferindo as cláusulas pétreas da Constituição, Art. 5º, incisos X e XII). Práticas que acabam por se constituírem em “juízo e tribunal de exceção”, invadindo proibição explícita, também inscrita no artigo 5º, inciso XXXVII. Ao MP cabe proteger a sociedade contra qualquer inconstitucionalidade praticada pela administração pública. Essa norma não vale quando é o próprio MP que pratica o ilícito?
Sinceramente não sei que democracia e que República defende o nobre procurador. Hitler também foi ao extremo do abuso de poder dentro do processo democrático. Fundou partido, elegeu-se e fez as leis que quis, “esclarecendo” a sociedade sobre seus propósitos. Nesse ponto, o valoroso procurador revela seu escárneo, pois quer “esclarecer a sociedade”, como se as posições contrárias fossem apenas fruto do desconhecimento.
Sigo tratando dos “temas relevantes levantados”:
1- "Em nosso modelo constitucional, o Ministério Público é o fiscal e o defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É ilógico pretender que alguém fiscalize sem investigar.
Aqui o MP tenta ultrapassar os limites que a própria Constituição lhe impõe, pois sabem os procuradores – ou deveriam saber, que o poder público só pode fazer o que está autorizado por lei. Defender a ordem jurídica e o regime democrático é atribuição de qualquer cidadão e de toda a sociedade, mas isso não autoriza que alguns saiam por aí montando escutas telefônicas, quebrando sigilos bancários, formando grupos de justiceiros e outras ilegalidades.
Fiscalizar não pressupõe investigar. Para fiscalizar basta constatar o ilícito, como faz o Procon, a fiscalização de obras, o Crea, a ANA, a ANAC, a Anvisa.  O que vem depois disso, para todos esses fiscalizadores, está previsto em lei e pressupõe usar de todos os meios legais. Nenhum deles pode propor a instauração de inquérito policial (atribuição do MP) ou mover ações com base nesses inquéritos (atribuição do MP). Se o MP acha a Polícia Civil despreparada, desmotivada ou passível de sucumbir às injunções da política, deve (dever do MP) fazer cumprir todas as normas legais para que tais situações não ocorram. Se a Polícia não trabalha direito o MP tem culpa nisso, pois a ele cabe, desde 1993, o controle externo das atividades policiais. Nesse ponto o próximo item é esclarecedor:
 2 - "O Ministério Público brasileiro não quer substituir as polícias na investigação criminal. Em regra, os crimes devem ser investigados pela Polícia, cabendo ao Ministério Público o controle externo dessa atividade e a requisição de diligências que considerar importantes para que o processo criminal seja iniciado com maiores chances de êxito”.

Passemos adiante:
3 - " A Polícia Federal e as polícias civis integram a estrutura do Poder Executivo e os delegados de Polícia não estão garantidos com a vitaliciedade e a inamovibilidade conferidas aos membros do Ministério Público. Se, na maioria dos casos, essa realidade não tem relevância, o mesmo não pode ser dito quando os suspeitos são autoridades públicas, criminosos com influência sobre o poder político ou policiais”.
Aqui, a pretensão do MP chega ao cúmulo de desrespeitar, desautorizar e colocar sob suspeita o Poder Executivo, eleito pelo povo. A isso o MP chama de defender a ordem jurídica, a democracia e a República? Onde estudaram direito esses doutores da lei?
Usam, em seguida, a justificativa de que os delegados de Polícia não “estão garantidos com a vitaliciedade e a inamovibilidade conferidas aos membros do Ministério Público. De posse dessas prerrogativas, já asseguradas aos juízes de todo o país, o esclarecido procurador nos garante que o MP está acima do bem e do mal e que, como anjo ou super-herói pairando sobre a cabeça dos mortais, o MP será reto, justo e inexpugnável. Triste figura para procuradores que não passam de servidores públicos como outros tantos – pagos com nosso dinheiro, que inexplicavelmente, lutam para adquirirem o altar, a beatificação e a santificação em nome de conceitos e interpretações mal aprendidas nos bancos universitários.
4 - "Em nenhum país desenvolvido, o Ministério Público é impedido de investigar. Pelo que se tem notícia, apenas na Indonésia, na Uganda e no Quênia existe exclusividade da Polícia na apuração de crimes. Em países como Alemanha, França, Itália e Portugal, a Polícia investiga sob a direção e a coordenação do Ministério Público”.
Nesse ponto a falácia pretende tomar ares de verdade, sustentada “nos países desenvolvidos”. Ao MP cabe, constitucionalmente no Brasil, o controle externo das atividades policiais, cabendo-lhe aí, inclusive, solicitar a abertura de inquérito, bem como requerer novas diligências. Isso não é suficiente? A não ser que, para esses doutores, só interesse a expressão dirigir o inquérito ou a palavra investigar, atribuição que a lei reservou ao delegado de polícia.
Outra suposição, aqui válida pela fragilidade dos conceitos apresentados no documento para “esclarecer-nos”, seria admitir que o MP quer “produzir um resultado previamente decidido”, que hoje não conta com o apoio dos investigadores. Mas isso, senhores procuradores é ilegal, imoral, inconstitucional e afronta o estado de direito, a democracia, a República, os direitos humanos e tudo o mais que não seja decoreba pra passar em concursos públicos. Nesse ponto, a citação de dois países africanos (Uganda e Quênia) para desclassificar a PEC revela o grau de preconceito do doutor procurador do MP com os países africanos, repetindo um discurso muito comum dos países “desenvolvidos”, lixo que ele também importa.
5 - "Há uma tendência mundial de aumentar o número de entidades autorizadas a investigar atos ilícitos. No Brasil, a lei autoriza investigações dirigidas pelo Poder Judiciário, tribunais de Contas, Receita Federal, Banco Central, polícias, CPIs, Ibama, Ministério Público etc. Quanto maior o número de entidades autorizadas a fiscalizar, pior para os criminosos e melhor para a sociedade”.
Aqui a filosofia do maniqueísmo simplista: “Quanto maior o número de entidades autorizadas a fiscalizar, pior para os criminosos e melhor para a sociedade”. Todos os órgãos citados tem o direito de investigação dentro de suas áreas e atribuições. Todos eles, diante da constatação de indícios do ilícito, procuram a polícia federal, o ministério público ou a polícia para proceder dentro da legalidade com todos os desdobramentos que a lei autoriza. Essa prerrogativa o MP já possui.
Veja-se que o texto grifado tem a palavra fiscalizar, clarificando a confusão de conceitos do nobre procurador. Fiscalizar não é o mesmo que investigar. Ao cidadão também cabe fiscalizar o poder público em todas as suas áreas de atuação. A investigação, com valor jurídico, não é atribuição do cidadão. A confusão, certamente, vem do rol de filmes enlatados americanos que tratam da atividade jurisdicional, assistidos por esses jovens de classe média que ascenderam ao MP por meio de concurso público. Sigo:
6 - "A PEC 37/2011 é incompatível com o propósito de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A participação de autoridades independentes na investigação criminal é prevista na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), no Estatuto de Roma (Tribunal Penal Internacional) etc”.
Em nenhum desses instrumentos citados: Convenção de Palermo, Convenção de Mérida e Estatuto de Roma, há qualquer sugestão para admitir participação de autoridades independentes na investigação criminal. Esses instrumentos tratam de relações entre Estados Membros e respeitam toda a legislação interna dos países. Se o fizessem seria uma contradição, pois não há previsão legal no Brasil dessa participação independente na investigação criminal. Aliás, o argumento carece de lógica, pois o MP não é um organismo independente. O MP é órgão público encarregado de fiscalizar a administração pública e é chefiado pelo Procurador Geral da República, escolhido e nomeado pelo presidente República. Para “esclarecer” a nós, pobres mortais, propositadamente o vestal procurador nos induz a confundir autonomia funcional e administrativa (prerrogativas do MP) com “independência”.
7 - "Ao contrário do que afirmam os idealizadores da PEC, a lei já autoriza o Ministério Público a realizar atos de investigação criminal, como requisitar e ouvir testemunhas, requisitar documentos e perícias, realizar inspeções etc. (artigos 7º e 8º da LC 75/93, artigos 26 e 27 da Lei 8.625/93, artigo 47 do CPP etc.). Para dar maior segurança e objetividade aos procedimentos investigativos, o Conselho Nacional do Ministério Público regulamentou a matéria com a Resolução 13/2006”.
Vivemos o trauma da interpretação de texto desde a mais tenra infância, pois nos educamos para analisar apenas os pedaços do enunciado. Os artigos citados (7º e 8º da LC 75/93) não podem ser compreendidos fora do contexto da própria essência da lei. Essência que se inscreve, na mesma LC 75/93, Capítulo I - da Definição, dos Princípios e das Funções Institucionais, composta de cinco artigos, transcritos abaixo:
“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta lei Complementar, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis.
Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.
Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:
        a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;
        b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;
        c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;
        d) a indisponibilidade da persecução penal;
        e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.
Art. 4º São princípios institucionais do Ministério Público da União a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
        I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:
        a) a soberania e a representatividade popular;
        b) os direitos políticos;
        c) os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil;
        d) a indissolubilidade da União;
        e) a independência e a harmonia dos Poderes da União;
        f) a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
        g) as vedações impostas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
        h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;
        II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:
        a) ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte;
        b) às finanças públicas;
        c) à atividade econômica, à política urbana, agrícola, fundiária e de reforma agrária e ao sistema financeiro nacional;
        d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente;
        e) à segurança pública;
        III - a defesa dos seguintes bens e interesses:
        a) o patrimônio nacional;
        b) o patrimônio público e social;
        c) o patrimônio cultural brasileiro;
        d) o meio ambiente;
        e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso;
        IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;
        V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto:
        a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação;
        b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade;
        VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei.
        § 1º Os órgãos do Ministério Público da União devem zelar pela observância dos princípios e competências da Instituição, bem como pelo livre exercício de suas funções.
        § 2º Somente a lei poderá especificar as funções atribuídas pela Constituição Federal e por esta Lei Complementar ao Ministério Público da União, observados os princípios e normas nelas estabelecidos”.
Nesses cinco artigos estão definidos o papel do MP e sua finalidade (art. 1º), o seu campo de atuação geral (art. 2º), a sua atribuição específica (art. 3º), seus princípios institucionais (art. 4º) e suas funções institucionais (art. 5º). Todos os artigos seguintes desta Lei Complementar, sem exceção, tratam dos instrumentos que o MP dispõe para alcançar suas obrigações extraídas do texto constitucional (inscritos nos cinco artigos iniciais da lei), bem como sua estrutura de funcionamento. Nesses cinco primeiros artigos está a essência do MP, sem a qual os artigos 7º e 8º não podem ser entendidos.
Para esclarecer o que significa essência e sua relação com as partes, recorro ao filósofo Spinoza:
“basta que seja dado para que a coisa seja posta necessariamente, e basta que seja subtraído, para que a coisa seja subtraída necessariamente; ou ainda, aquilo sem o que a coisa não pode ser nem ser concebida e, vice-versa, não pode sem a coisa ser nem ser concebido” (SPINOZA apud RUSS, 1994, p. 92).
Desse modo, não há qualquer contradição ou inconstitucionalidade no caráter investigativo do MP ou em seus poderes correlatos. Mas todos eles se referem à sua essência, definida, apenas, nos cinco artigos primeiros da Lei, que vinculam esse poder de investigação à “garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal. Interpretações de incisos, fora da contextualização dos cinco artigos iniciais, são tentativas de subverter a lei.
Está cristalino que o papel do MP é assegurar, ao cidadão e à sociedade, que o Estado e todas as suas obrigações constitucionais, está sob sua fiscalização constante. Repito: o MP existe para “garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal” (art.2º da LC 75/93). Isso é importantíssimo! Essencial para a sociedade brasileira, pois sabemos que o Estado é o grande ausente na garantia dos direitos sociais indisponíveis como o direito à vida, à liberdade, à saúde e à dignidade.
Quanto à Lei 8.625/93 de 12/02/93 citada, Lei Orgânica do MP, ela só pode ser entendida com suporte na Lei Complementar 75/93 de 20/05/93, cujo papel é complementar e esclarece aspectos inscritos na Constituição Federal. A Lei Complementar tratar da essência do MP – curiosamente omitida na Lei 8.625/93, que fez de seus artigos corpos sem cérebro.  Se a Lei 8.625/93 contivesse a essência do MP não seria necessária a Lei Complementar 75/95. Assim sendo, a interpretação é a mesma anteriormente apresentada. Ou seja, sem a essência não há conteúdo possível.
Quanto ao art. 47 do CPP citado (Título III que trata da Ação Penal), não há dúvida de que reforça a tese já apresentada de leitura descontextualizada. Outra tentativa de confundir a opinião pública para justificar a exacerbação de atribuições.
Por último nesse tópico, a apresentação da Resolução nº 13/2006, que não tem força de lei, é outra clara tentativa de manipular os conteúdos, porque também descontextualiza a essência inscrita no art. 129 da CF e na LC 75/93. Ao esmiuçar, na Resolução nº 13/2006, os artigos 8º da LC 75/93 e 26º da Lei 8.625/93, os procuradores “esquecem” de citar os cinco artigos iniciais da LC 75/93 onde está definida a essência do MP. Razão pela qual não faço qualquer comentário adicional. Apenas registro o perigo a que estamos submetidos quando os próprios membros do MP promovem ilegalidades na elaboração do texto jurídico. Não dá pra acreditar em inocência. O que está por trás dessa tentativa de criar um super-poder?
8 - "A aprovação da PEC distanciará o Ministério Público da sociedade, dificultará o acesso das pessoas à Justiça e burocratizará a apuração de crimes. Não é incomum que pessoas do povo demandem o Ministério Público para apresentar provas de crimes ou relatar uma situação que exige intervenção urgente do Estado, a exemplo da prisão preventiva de um criminoso e do deferimento de uma medida protetiva da Lei Maria da Penha. Aprovada a PEC, o Ministério Público terá que adotar o caminho mais longo: deverá encaminhar os cidadãos à Delegacia de Polícia para instauração de um inquérito que, dias ou meses depois, retornará ao Ministério Público para as providências cabíveis”.
Os argumentos citados não passam de um emaranhado de intenções do MP e críticas ao trabalho da polícia judiciária, que não poderiam ser admitidas nas palavras de um procurador do MP, que tem como uma de suas atribuições o controle externo das atividades policiais. Acabar com a morosidade e a inoperância faz parte do controle externo que o MP deve exercer sobre a polícia judiciária para assegurar o pleno exercício dos direitos do cidadão, inscritos na Constituição.
9 – “Modificada a Constituição, inúmeros criminosos poderão ficar livres de suas penas, caso consigam emplacar a tese de nulidade dos processos em que houve algum ato de investigação criminal pelo Ministério Público”.
Os erros devem ser corrigidos. Isso é regra do processo jurídico. Se alguma coisa foi feita pelo MP ao arrepio da lei, deve a própria lei restabelecer os direitos, independente de quem sejam, pois a lei é para todos (art.5º CF). Os abusos cometidos pelo MP não justificam o engessamento das leis, pelo contrário, é mais uma razão para que as leis sofram modificações que restabeleçam a legalidade.
10 - "O STF e outros tribunais do país já reconheceram a legitimidade de atos de investigação realizados pelo Ministério Público (cf. RE 535.478, HC 93.930, HC 94.173, HC 97.969)”.

Faltou ao primoroso procurador do MP “esclarecer” aos mortais como nós, que nada entendem de lei, que esta não é uma questão unânime, nem nos tribunais nem na doutrina jurídica. O caprichoso procurador citou apenas aquilo que interessa à defesa política de suas ideias.
“Por fim, uma pergunta: a quem interessa a aprovação da PEC da impunidade? Responda o leitor. À sociedade é que não é”.
É até admissível que a imprensa chame a PEC em questão de PEC da Impunidade, mas não creio que esta seja a maneira adequada de um procurador “esclarecer” a sociedade, se a respeitasse. A criação ou endosso desse apelido pejorativo por procuradores deixa claro que não há qualquer isenção na defesa de suas ideias. Isenção que todos nós esperamos do Ministério Público. Sempre.
Este documento, portanto, não endossa a PEC 37. Aliás, é possível ir mais longe: além de inócua, a PEC 37 ainda dará mais poderes ao MP.
Antes de mais nada, é necessário compreender por que a PEC 37 foi proposta no Congresso Nacional. O que sabemos, por meio da mídia?
1 - Que a PEC 37 propõe que o poder de investigar seja exclusivo das polícias civil e federal.
2 - Que a PEC 37, se aprovada, seria uma abertura para a impunidade.
A única coisa que fica evidente até aqui é que há um confronto de interesses entre as polícias civis e federal e o Ministério Público, pelo que parece, fundamentado no fato de que o MP anda “enfiando os pés pelas mãos”, do ponto de vistas das polícias.
Ocorre que as atribuições, tanto das polícias quanto do MP, estão bem definidas na Constituição Federal (ninguém se lembra da Constituição...).. As atribuições do MP no art. 129 e as atribuições das polícias no art. 144. Vejamos os dois artigos:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.
Observe que além de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Constituição, o MP tem outras atribuições, inclusive de exercer o controle externo da atividade policial (isso desde 1988), requisitar (à polícia judiciária) diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade.
Sigamos, agora, quanto as atribuições das polícias:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
 I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Ora, ao tratar da Segurança Pública, o art. 144 da CF diz, textualmente, que as Polícias Federal e Civil exercem “as funções de polícia judiciária”, significando que, diante da evidência de algum crime, as investigações devem ser feitas por estes órgãos.
Já a finalidade, o campo de atuação e a essência do MP estão previstos no art. 129 da Constituição Federal e na Lei Complementar 75/93 (chamada lei orgânica do MP), onde essa atribuição de fiscalizar a administração pública para assegurar os direitos constitucionais está explicitado. Vejamos:
Constituição Federal:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

Lei Complementar 75/93:
“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta lei Complementar, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis.

Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.

Às polícias (federal e civil) imcumbem a função de polícia judiciária (o que é igual a investigar fundamentar e montar o inquérito para envio ao MP, considerando sua responsabilidade para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio), enquanto ao MP cabe a função de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionais (o que é igual a investigar os poderes públicos e exigir a abertura de inquérito às polícias diante da evidência do crime).
Então, onde está a dúvida? A dúvida - já que foram os delegados que se mobilizaram para a aprovação da PEC 37, só pode existir no fato (comprovado) do MP fazer investigação (escutas não aprovadas pelo judiciário etc) extrapolando suas funções (garantia do respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionais), propondo ações cíveis e penais diretamente ao poder judiciário, sem respeitar as “polícias judiciárias” a quem cabe investigar e montar o inquérito para entregar ao MP, que decide acionar ou não o poder judiciário.
Nesses tempos de Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas, não dá pra escrever sem considerar esse enorme “conhecimento nacional” esportivo. Por esta razão coloco a PEC 37 em campo, inicialmente alertando que esse confronto midiático entre Ministério Público, Polícia Federal, Polícia Civil, Parlamentares, Delegados etc, é briga por uma bola murcha. Terminada a luta, não haverá jogo, nem vencido, nem vencedores.
Não haverá jogo, porque a proposta de inclusão da exclusividade de investigação no art. 144, proposto pela PEC 37 tem como foco a Segurança Pública e os interesses da União (art. 144 da CF) enquanto o MP tem como foco as ações do Estado e os interesses da sociedade (art 129 da CF).
Não haverá vencido, se a PEC for aprovada ou não for aprovada, porque a alegada “exclusividade” das investigações das polícias já está inscrita na Constituição Federal (referem-se à Segurança Pública, (art. 144 da CF, § 4º acima).
Face ao exposto, a título de contribuição do leitor, apresento um rol de valor social incalculável para o trabalho do Ministério Público. Trabalho que pode modificar, aperfeiçoar e elevar a qualidade de vida do povo brasileiro.

13 COISAS PEQUENAS E GRANDES QUE QUEREMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CUMPRIMENTO DE SUA FUNÇÃO JURISDICIONAL ESSENCIAL DO ESTADO
Dentro dessa atribuição de que “Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal” (art.2º da LC 75/93), o que esperamos do Ministério Público é que:
1. Dê providências para que o Estado cumpra suas obrigações constitucionais na prestação de serviço público de saúde, educação, transporte, energia elétrica, água e segurança da população;
2. Dê providências para que o Estado não persiga os trabalhadores ambulantes como criminosos pelas ruas, fazendo valer o direito constitucional do inciso XIII do art. 5º de que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
3. Dê providências para que o Estado assegure os direitos constitucionais de habitação e trabalho.
4. Dê providências para que o Estado assegure à imprensa o direito constitucional do livre exercício da liberdade de expressão e informação;
5. Dê providências para que o Estado assegure à sociedade o direito constitucional à liberdade de crença, estancando os privilégios de alguns e pondo fim às perseguições às crenças de origem africana;
6. Dê providências para que o Estado assegure o respeito aos preceitos constitucionais da legalidade na administração pública, opondo-se às tentativas governamentais de manipulação da lei para suprimir direitos, como é o caso da tentativa do GDF de usufruir das verbas do Fundo de Apoio à Cultura do DF em detrimento de seus beneficiários;
7. Dê providências para que o Estado assegure o respeito aos preceitos constitucionais da legalidade na administração pública, opondo-se às tentativas governamentais de uso político das inscrições das populações carentes nos programas governamentais;
8. Dê providências para que o Estado assegure o respeito aos preceitos constitucionais da legalidade na administração pública, opondo-se às tentativas governamentais de uso da transparência como instrumento de perseguição e marketing político;
9. Dê providências para que o Estado assegure aos idosos à passagem gratuita interestadual, estancando o desrespeito das empresas de ônibus que concedem ou não o benefício ao seu bel prazer;
10. Dê providências para que o Estado assegure à sociedade o direito constitucional à defesa jurídica contra os abusos cometidos pelas instituições financeiras do país, que enriquecem praticando juros extorsivos;
11. Dê providências para que o Estado assegure a demarcação das terras indígenas, pondo fim às invasões e usos ilegais para extração de riquezas;
12. Dê providências para que o Estado invista na preservação do patrimônio natural, material e histórico brasileiros;
13. Por fim, dê providências para que o art. 5º da Constituição Federal seja plenamente assegurado, atuando contra as portarias, resoluções e instruções normativas de todos os órgãos públicos que desconstituem os direitos inscritos nessas cláusulas pétreas.

Assinado,
O leitor Francisco Ferreira Morbeck,
no uso do direito constitucional à liberdade de expressão e pensamento.