As manifestações que tomaram as ruas das principais cidades do Brasil a partir de junho, revelaram o despreparo do Estado brasileiro e intensificaram o lado truculento das polícias militares de todo o país. A PM tem se notabilizado pela repressão violenta aos manifestantes desde o começo dos protestos, com uso inexplicável de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio, e cometendo abusos como prisões ilegais e detençoes para averiguações. Na escalada do abuso de poder, em outubro a polícia de São Paulo superou a si mesma e às PMs de todo país, ao enquadrar dois jovens na Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura.
Foto: Reprodução Facebook
O Advogado Ativista Luiz Guilherme Ferreira encara a PM de São Paulo
Indignados com os excessos, diversos advogados passaram a comparecer às delegacias após as manifestações para socorrer detidos. O engajamento crescente destes operadores do Direito fez surgir o grupo Advogados Ativistas, movimento que tem dado auxílio àqueles que vão para as ruas protestar e não têm seus direitos reconhecidos pelo Estado.>>>
“As principais causas do grupo Advogados Ativistas são a defesa da liberdade de expressão, do livre-exercício dos seus direitos e da construção democrática. As manifestações começaram com transporte público, mas não é só isso que precisa de mudanças. Assim, nesse propósito de se manifestar, pretendemos deixar o nosso trabalho em prol dos manifestantes”, explica Luiz Guilherme Ferreira, advogado que integra o grupo. “E também lutamos para assegurar o direito de defesa das pessoas”, acrescenta Geraldo Santamaria Neto, também membro do Advogados Ativistas.
Geraldo é dono escritório Santamaria Neto e atua na advocacia criminal. Já Luiz Guilherme Ferreira é sócio da banca Ferreira, Camparim & Alves Lima, com atuação nas áreas civil e criminal. Como os membros do Advogados Ativistas, que exercem uma profissão conhecida por seu grande volume de serviço, conseguem conciliar seus empregos com as atividades do grupo? Os dois advogados garantem que não tem problemas quanto a isso. Primeiro, porque há um rodízio entre os advogados do grupo que atuarão em cada manifestação. Além disso, por terem seus próprios escritórios, eles têm maior autonomia já que não precisam prestar contas para um chefe. O terceiro ponto é que as manifestações ocorrem à noite, embora as longas sessões em delegacias prejudiquem o desempenho profissional no dia seguinte.
Os dois ainda destacam a morosidade do Judiciário como aliada para conseguirem dar amparo aos manifestantes. “Se a pessoa é presa na terça-feira à noite, o auto de prisão em flagrante vai chegar ao Fórum na quarta-feira, no final do dia. Ou seja, ganhei um dia inteiro para meu trabalho. Depois vai pro Ministério Público e demora mais outro dia, para o juiz, mais outro, tanto que a média de tempo de prisão das pessoas que a gente libertou foi de três dias, por pura lentidão”, diz Luiz.
Nas ruas e nas delegacias
Quando ocorrem uma manifestação, os Advogados Ativistas se dividem em dois grupos: uns vão para o ato, e outros ficam em stand-by, e, uma vez avisados por aqueles que estão nas ruas, se dirigem às delegacias para as quais os manifestantes foram encaminhados. Vale registrar que, se algum advogado presenciar uma detenção, já intervém ali mesmo para evitar abusos – embora a própria prisão para averiguação já não esteja prevista em lei - como espancamento e colocação de algemas em pessoas que não oferecem riscos.
Nos distritos policiais, os membros do Advogados Ativistas acompanham os procedimentos burocráticos, como a obtenção de dados dos manifestantes, os depoimentos e a elaboração do boletim de ocorrência ou do termo circunstanciado (para aqueles crimes "de menor potencial ofensivo"). Se o delegado entender que houve flagrante, justificando a prisão, e decide encaminhar o manifestante para um centro de detenção provisória, os Advogados Ativistas começam a atuar para que o detido responda em liberdade. Com base no princípio da presunção de inocência, encaminham medidas para soltar o manifestante, como relaxamento do flagrante, pedido de liberdade provisória ou, se for o caso, habeas corpus. A atuação do grupo cessa quando a pessoa consegue a liberdade.
A estudante da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) Roberta (nome fictício, utilizado a pedido da entrevistada), que já foi presa a teve a ajuda do grupo, reconhece a importância dos Advogados Ativistas. Ela foi detida pela PM de São Paulo em um protesto, ocorrido em outubro, que reivindicava educação pública de qualidade e democrática. Segundo Roberta, ela estava com um grupo de manifestantes que, após ser encurralado por bombas de gás lacrimogênio, entrou em uma loja. Quando saía do estabelecimento pelos fundos da loja acabou encurralada pelos policiais, junto com outros 10 alunos da USP. Conforme seu relato, os policiais deram joelhadas nas costas dos rendidos e todos foram algemdos e obrigados a ficar deitados de bruços.
Quando eles estavam sendo conduzidos para as viaturas, os membros dos Advogados Ativistas apareceram, se apresentaram, deram seus números de telefone e passaram algumas instruções aos detidos. Na delegacia, os membros do grupo participaram de todo o processo.
Roberta conta que “na hora do depoimento, eles orientavam o que a gente tinha que falar, tipo ‘estava na manifestação, exercendo o meu direito (...)’, ‘fomos induzidos a entrar na Tok&Stok’ (...). Era um suporte necessário, porque às vezes você está dando um depoimento e não sabe o que falar. E os policiais são muito espertos, podem distorcer suas declarações. É um apoio, não só de [orientações para] o que falar, mas tranquilizador também. Quando avisei meus pais que estava no ‘camburão’, eles disseram que iriam mandar o telefone do meu tio, que é advogado. Nisso, eu disse que iria com esses caras [os Advogados Ativistas], que me deram segurança. Talvez meu tio saiba resolver melhor outros tipos de caso, mas ele não tá acostumado a manifestações. Eles sabem como lidar com esse tipo de situação”.
Manual
Como perceberam que as pessoas desconhecem seus direitos básicos e, porque "não há colaboração" por parte dos policiais, os Advogados Ativistas elaboraram o “Manual do Manifestante”, que passou a ser distribuído a cada protesto e na internet. O documento é dividido em três “situações”: “na manifestação”, “na abordagem/prisão” e “na delegacia”. Em cada uma, traz informações e dicas de comportamento para o manifestante se defender.
Geraldo e Luiz destacam que os Advogados Ativistas defendem aplicações corretas das leis.“Acredito que o Estado está perdido, não sabe o que fazer para controlar a população. Em vez de cumprir suas obrigações de dar saúde, educação etc., quer calar a população. Com isso, está tentando encontrar leis para coibir as pessoas de se manifestarem”, diz Geraldo. Mas a atuação do grupo transcende a letra fria da lei: “O que move a gente é o desejo de termos um país melhor”, conclui Luiz.
Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br