sexta-feira, 22 de novembro de 2013

ADOÇÃO PELA COR: LEIS JUSTAS E MANUAIS ILEGAIS

OPINIÃO
Como se fosse objeto de desejo à venda no supermercado
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura no seu art. 3º que "A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana". A Constituição Federal declara que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] (art. 5º caput)”.  A lei de adoção (Lei Nº 12.010/2009) não autoriza os adotantes a "escolher entre raça, sexo e outras característica do adotando". Por que, então, o Cadastro Nacional de Adoção, de acordo com seu Manual do Usuário, solicita preferência dos adotantes quanto à cor da pele dos adotados? Alguns formulários vão além, solicitando aos adotantes especificar, também, a cor do cabelo, a cor do olhos e o sexo dos futuros adotados.

 
Adotar escolhendo o sexo, a cor dos cabelos, a cor dos olhos e a cor da pele não é uma evidente antecipação da discriminação? Quem adota, adota uma criança ou adota um clone?>>>

Que alguém nos explique qual o problema de uma família com pai e mãe negros adotar uma criança branca de olhos azuis ou o contrário, pais brancos adotarem uma criança negra.
Uma escolha que privilegie o critério da “parecência” com os adotandos esconde duas previsíveis situações: ou pretendem não revelar a adoção para a criança adotada ou, no ainda pior, estão dizendo que só pode ser bom (ou melhor) “a criança que se parece com os adotandos”. Em qualquer uma das situações, se a escolha é pela “parecência”, não há justificativa legal ou moral que a sustente. Principalmente se esse critério é "assegurado, sugerido, instigado" pelos profissionais envolvidos no processo de adoção (psicólogos, assistentes sociais etc). O direito da criança à igualdade não está garantido, pois a criança branca, de olhos azuis e cabelos loiros ou pretos tem maiores chances de ser adotado.
Mas, e se a escolha dos adotantes for pela “não parecência”, qual será a justificativa capaz de convencer os operadores do processo de adoção? Me parece que, nesse caso, nenhuma justificativa poderá ser considerada razoável pelos operadores desse processo adotivo. O que está errado, como princípio, é a possibilidade da "escolha" dessas características do adotado pelos futuros adotantes. Prática que reproduzir o processo de consumo que faz do adotado uma mercadoria a ser escolhida como se estivesse “num supermercado”.
Quem pretende adotar deve estar imbuído do desejo de adotar um ser humano para ter o privilégio da convivência e da construção de um relacionamento afetivo profundo e duradouro, que trás benefícios, também, para os adotantes.
A adoção deve ser um ato de amor, qualquer outra justificativa é secundária e insuficiente. Sem amor ao ser humano não há solução para a adoção, pois mesmo quando se "escolhe as características" do adotado, ele corre sério risco de sofrer nas mãos dos adotantes se estes não possuirem amor pelo ser humano. Qualquer criança cometerá erros e, repito, sem amor pelo ser humano...
Quem adota, se aprendeu que todo ser humano necessita de um lar e toda família precisa de uma criança para estar completa e, quem sabe, ser feliz, deve ter em mente que o ser humano não tem cor de pele, não tem sexo, não tem cor do cabelo, não tem cor dos olhos, pois no mundo tem lugar para todos.
Se isso não é uma verdade social, não cabe aos adotantes, nem ao Estado, perpetuar essa seleção que nada possui de natural e reforça os mesmos preconceitos que, em grande parte, foram responsáveis pelo abandono de milhares de crianças. Se os pais não pensam no ser humano, mas na cor dos olhos, do cabelo, da pele etc, eles não estão aptos para a adoção.
Nesse sentido, é importante dizer que se as leis (Constituição, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Adoção)  não corroboram ilegalidades, injustiças e discriminações, não se justifica que seu operadores criem um Manual do Usuário que rompe com toda a legalidade transformando em "natural" a discriminação de milhares de crianças.
Nesse sentido cabe dizer: não basta boas leis. Para que elas tenham validade é preciso que aqueles que as operam, saibam lê-las e tenham respeito por elas. o Art. 5º do ECA é claro: "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais". Onde está o Ministério Público que não vê isso? Ou devemos incluir o MP entre os omissos?
É nas mãos dos analfabetos funcionais que as leis se transformem em letras mortas e se perpetuam as injustiças contra as crianças e os adolescentes.

Leia aqui Manual do Usuário para adoção