OPINIÃO
Não cabe ao Estado moderno decidir o que é melhor para os cidadãos |
Ocorre que a qualidade da educação não é prioridade para o Estado brasileiro, nem para a iniciativa privada, seja na vida acadêmica ou na concepção mais ampla de educação, que envolve, particularmente, os meios de comunicação de massa. A prioridade atual, ainda é, apenas, colocar todo mundo na escola. Sendo assim, estabelecer um conflito entre o Estado e os pais que preferem escolarizar seus filhos em casa é, antes de tudo, uma visão pobre das infinitas possibilidades da educação e da escolarização, desconhecimento inadimissível aos diplomados. O que esse conflito tem de importante é possibilitar o debate sobre a qualidade da educação.
Não importa se o ponto de partida seja a crítica aos pais pela manutenção de criança em "bolhas" como querem os técnicos e estudiosos ou outro aspectos qualquer. Seja qual for, terá que ser precedido da quebra da barreira que os técnicos e educadores colocam contra quem se aventura no debate educacional, cuja consequência objetiva é os pais serem tratados como idiotas que desconhecem as bases teóricas da educação. Debate pressupõe respeito mútuo.
Partindo dessa premissa, sabemos que nenhum
cidadão comum conhece medicina, direitos trabalhistas, segurança pública,
educação, mas sua voz soa longe quando ele identifica o que sua capacidade
permite: o mau-trato, o abandono e a desumanidade. Mais recentemente, na área
dos direitos humanos muitas mobilizações por melhorias na segurança pública
frutificaram dessas constatações singelas. Na educação não poderia ser
diferente, a ignorância é o nosso ponto de partida.
Para que o cidadão se coloque contra o médico, o empresário, o Estado, o policial ou o professor, registre um boletim de ocorrência e aventure-se nos meandros da justiça para buscar seus direitos numa dada circunstância, veja algumas das barreiras que ele tem que superar:
1. A ignorância dos seus direitos como cidadão;
2. O medo de contrapor-se ao Estado e aos deuses médicos, empresários, policiais ou professores, suas razões infinitas ou suas condições privilegiadas;
3. A descrença nos profissionais da segurança pública no ato do registro da ocorrência, que consideram secundária qualquer situação em que não haja "morto" e prova material do crime;
4. A impaciência com a burocracia que envolve o inquérito, as provas, as formalidades da justiça etc;
5. A insegurança com a qualidade do atendimento da Defensoria Pública para iniciar a ação;
6. A insegurança pela falta de dinheiro para pagar um advogado que faça o acompanhamento regular da causa;
7. A desconfiança com a morosidade da Justiça;
8. A incerteza com o resultado final da garantia do seu direito como cidadão pelo Juiz.
9. O medo de ser penalizado ou perseguido pela ousadia;
10. O receio de não ter tempo disponível para fazer-se presente em todas essas etapas;
11. O receio de ser tratado como ignorante a qualquer momento;
12. A incerteza de ainda estar vivo quando acontecer o julgamento final de sua causa;
13. A desconfiança da justiça, já que ela não pode julgar a motivação dos atos do poder público;
14. A sua própria desilusão com a Justiça, já que ela dá mais importância à burocracia (prazos, por exemplo) do que se é justa ou injusta a pretensão.
Independente da absolvição ou da crucificação, qualquer cidadão que chegue ao final dessa via crucis merece uma indenização moral, por demonstrar credulidade e perseverança em suas convicções, mesmo quando todos os fatores lhes são absolutamente desfavoráveis no alcance dos seus direitos. Enquanto o cidadão gasta o tempo que não tem, o dinheiro que não tem e o conhecimento que não tem nesse calvário, ganham juízes, servidores públicos, professores, médicos e policiais os seus salários ao longo do tempo.
A lei não pode ser justa apenas quando não é
preciso buscá-la, porque isso pressuporia uma sociedade educada para o respeito
ao direito do outro, coisa que a escola não ensina e o poder público finge
desconhecer.
Precisamos debater. Precisamos estudar.
Precisamos buscar no passado as lições que não servem para os dias de hoje. Falar
em crime dos pais, denúncia e outros abusos pretensamente cometidos quando os
pais, por meios próprios, querem assegurar a escolarização de qualidade para os
seus filhos esconde uma visão autoritária da relação do Estado com a sociedade.
Dar holofotes a esses algozes do establishment1 vai fazer com
que, em breve, voltemos ao modelo educacional espartano da Grécia antiga2,
onde as crianças eram entregues ao poder militar do Estado dos sete aos trinta
anos. E nem queiram saber, além dos treinamentos militares, quais eram os
desafios que deveriam superar para serem considerados cidadãos. Registro,
apenas, que entre eles estava o sobreviver de suas próprias rapinagens dos 12
aos 30 anos e matar um homem (escravo).
Não cabe ao Estado moderno decidir o que é melhor
para os cidadãos. Cabe a ele colocar-se a serviço dos cidadãos para que possam
crescer como entes sociais capazes de manter as bases da civilização que,
acreditamos, sejam outras no mundo de hoje.
Glossário:
1 Establishment - em sentido mais
abstrato, refere-se à ordem ideológica, econômica e política que constitui uma
sociedade ou um Estado. Em sentido depreciativo, designa uma elite social,
econômica e política que exerce forte controle sobre o conjunto da sociedade,
funcionando como base dos poderes estabelecidos. O termo se estende às
instituições controladas pelas classes dominantes, que decidem ou cujos
interesses influem fortemente sobre decisões políticas, econômicas, culturais,
etc, e que portanto controlam, no seu próprio interesse e segundo suas próprias
concepções, as principais organizações públicas e privadas de um país, em
detrimento da maioria dos eleitores, consumidores, pequenos acionistas etc.
2 Educação em Esparta - Leia
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