Justiça: eu quero mas não consigo! |
O tema é
espinhoso e seus ofendidos não medem esforços para perseguir aqueles que ousam
desnudá-lo, mas merece ser tratado constantemente, pois a crítica é uma das possibilidades
de reconduzir o direito para o desejado anseio de justiça, que hoje ocupa as
ruas do país. E, nesse caso, haveremos de ser radicais, no sentido de ir às
raízes do problema.>>>
O processo
educacional acadêmico superior de Direito das universidades e faculdades não
cria ambiente favorável à indagação e ao distanciamento no sentido da
observação. Ao contrário, esmera-se em “treinar” os acadêmicos no campo das
perguntas e respostas, por vezes acintosamente retiradas de provas de concursos
públicos. Tal prática, repetida por “professores” que não obtiveram nenhuma
formação pedagógica – coisa que não é exigida para o exercício do magistério no
cursos superiores, acaba por transformar a profissão de professor num feudo de
especialistas em monografias e a Educação numa olimpíada de domínio das fórmulas
tramadas pelas bancas examinadoras, cujo objetivo é excluir o maior número de
pessoas do processo competitivo. Nessa esteira, a Educação deixa de ser um suporte
para o aprimoramento das práticas sociais do futuro – que a todos interessa,
para transformar-se numa cruzada de “futuros individuais”, como se tal fosse
possível.
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A prevalência
dessa linha pedagógica acrítica impede a criação de ambientações metodológicas
que desenvolvam o senso crítico, solidificando uma formação calcada em dogmas
que empobrecem a interpretação dos fatos, o que reduz o conhecimento adquirido à
mera capacidade de identificar o enquadramento da realidade nos “favores” ou “rigores”
da lei.
Entre os
dogmas que se fortalecem nesse ambiente de reprodução (copiar e decorar) – e que
perpassam o aprendizado sem que sobre eles se debrucem, os mais relevantes são
a ausência de responsabilidade social e a despersonalização nas decisões que
afetam o tecido social e os cidadãos que buscam a justiça. As consequências das
decisões “impessoais”, “neutras” e “legais” dos operadores da máquina pública
ficam, exclusivamente, sobre os ombros do Estado e de seus órgãos. O Juiz não
responde pelos seus erros; os procuradores do Ministério Público não respondem,
sequer, por denunciação caluniosa; os agentes públicos não respondem pela
consequência de seus atos discricionários; a burocracia dos prazos e requisitos
oriundos de portarias e normas internas se sobrepõem ao direito assegurados até
pela Constituição, transformado a justiça num ritual cirúrgico em que seus
operadores esmeram-se à procura das “falhas do processo” que justifiquem a
negação do direito e da justiça.
Para
ilustrar a digressão acima exposta, mencione-se uma decisão judicial que fecha
um estabelecimento comercial com milhares de empregados, em razão da ausência
de alvará de funcionamento. Aqui fica evidente a falta de responsabilidade do
judiciário com a vida de milhares de pessoas. Não seria mais fácil obrigar os
órgãos públicos a promoverem uma solução para a ausência do documento? Seja
definitiva ou transitória?
Do mesmo
modo, diante de uma “denúncia”, muitas vezes anônima, feita ao Ministério
Público ou mesmo por iniciativa do procurador que teve conhecimento do fato por
meio de um periódico, promove-se um show midiático de “caça às bruxas”,
acusa-se e prende-se o denunciado. Na sequência, se a justiça não confirma o
cometimento do crime – qual o juiz que duvida de uma acusação do Ministério
Público? – o acusado é solto, mas não há lei que assegure ao injustiçado o
direito aos danos em função da denúncia caluniosa dos procurados do Ministério
Público. Não responde o procurador pelos seus atos e nem o Ministério Público.
No caso de
uma decisão discricionária do poder público – por exemplo, a interrupção de um
projeto social sob uma suposta acusação que não é confirmada, aos injustiçados
não é assegurada nenhuma proteção, mesmo que o órgão não cumpra os prazos
legais e abandone o processo em uma gaveta por anos. Acionada a justiça, essa,
obviamente, não duvidará das “boas intenções” do poder público que se justifica
no vago e indefinido dogma do “interesse público”.
Por
conseguinte, vale dizer que, se na educação de qualidade busca-se o acesso ao
conhecimento sem os dogmas – religiosos ou científicos -, porque estes
contrariam a dinâmica do “vir a ser” do processo civilizatório, como bem o
disse o filósofo grego Heráclito de Éfeso, na operacionalização dos órgãos do
Estado os dogmas da irresponsabilidade social e da despersonalização nas
decisões são pressupostos que jogam por terra o interesse público.
Nessa seara
dogmática em que se escondem os operadores do Estado, querem que esqueçamos o
fato de que eles são seres humanos sujeitos à ilações, interesses pessoais e compromissos
políticos e ideológicos, para que não respondam pelos seus atos, omissões e
abusos de autoridade, como todo cidadã é obrigado a responder em respeito à
constitucionalidade.
Ao
contrário do que perpetuam essas práticas, ao propugnar o Estado de direito e a
democracia, a Constituição não existe para que os poderes sejam algozes da
sociedade e dos cidadãos – o que nada mais seria do que uma ditadura. A
Constituição existe para limitar, delimitar e coibir os abusos inerentes ao exercício
dos poderes do Estado e de seus operadores. O oposto disso é querer
restabelecer o império, a monarquia, que a sociedade brasileira lançou por
terra desde a implantação da República em 1889.
Imagem: http://papodehomem.com.br/quero-mas-nao-consigo-autopsia-filosofica-2/
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