domingo, 14 de julho de 2013

ÁGUAS DE JUNHO: BRASIL É A BANDEIRA DAS MANIFESTAÇÕES

OPINIÃO - 14/07/2013
A leitura política dos manifestações que marcaram o Brasil no mês de junho de 2013 não é tarefa difícil. Até agora, e nunca será diferente, os ensaios interpretativos da política (dos políticos e da imprensa) não passam de esforços para conduzir a avalanche que ocupou as ruas para o leito entupido dos velhos canais de escoamento dos anseios nacionais. As ruas são sinais que apontam para um novo tempo, como foi nas manifestações de rua feitas em diversos pontos do Brasil pelo movimento contra o custo de vida pós crise econômica de 1973, em plena ditadura militar. O que se seguiu foi o renascimento das associações de bairro, dos sindicatos, das greves estudantis (UnB 1977) e das greves do ABC paulista em 1978-80. A redemocratização do Brasil, construído por esse clamor das ruas na década de 1980, forçando a saída dos militares do poder, foi o maior acontecimento gerado pelos anônimos que ocuparam as ruas, mesmo sob a ameaça da polícia política à serviços dos militares da ditadura.
Quarenta anos nos separam da ponta desse novelo mais recente que ocupou as ruas durante a ditadura militar. E não fazemos referência aos esforços das organizações clandestinas e de ativistas não organizados que estiveram presentes na alma de muitos desses acontecimentos durante a ditadura por uma razão muito simples: todas elas foram além dos seus “controles”, construindo alternativas que não atendiam aos modelos pré-estabelecidos de luta e revolução.
O trabalho desse tecido vivo gestado pelas ruas foi extraordinário e recolocou o Brasil nos trilhos da democracia, obrigando a saída dos militares da cena política e o Congresso Nacional a restabelecer os mecanismos vulgares do modelo republicano: eleições diretas em todos os níveis, livre organização sindical e livre organização partidária. O resultado de tudo isso, após quarenta anos, foi rechaçado nas ruas juninas de todo o país.  É o fim do referendo de quatro décadas. A sociedade brasileira disse não a esse modelo que perpetua o abandono do país e de seu maior patrimônio: o povo brasileiro. A política, instigada pelas ruas em quatro décadas, apenas oscilou o pêndulo de um modelo de Estado autoritário, concentrador de riquezas nas mãos das elites nacionais (ditadura militar), para um modelo democrático também concentrador de riquezas, agora nas mãos da elite nacional e, muito particularmente, internacional. O melhor resultado oferecido ao povo brasileiro nessas quatro décadas foi sangrar a economia nacional canalizando lucros e dividendos para empresas transnacionais que veem seus cofres recheados a cada ligação telefônica, a cada operação bancária, a cada máquina adquirida e a cada exame tecnológico no trato da saúde.
A perplexidade dos governos (federal, estaduais e municipais), dos partidos políticos e da imprensa à serviço dos governos de plantão, com as manifestações de rua das águas de junho, não passa da revelação do fosso que se estabeleceu entre o país que se quer e o país que foi construído pelos legitimados representantes eleitos pelo povo em três décadas de democracia, exercida sob um modelo que permite a venda de legendas partidárias, a eleição do candidato que derrama dinheiro na campanha, a posse de eleitos com menos votos que outros, a ocupação dos Estado por acordos políticos sem propósitos, projetos ou programas de governo, a derrocada da justiça elefantástica que se mantêm de pé sob garantias desobrigadas da eficiência e da isenção nos julgamentos. Caminhos que envelheceram pelo fato de sempre travestiram o clamor das ruas em acordos e conchavos que transformaram o interesse público que tais postos obrigam, num cabedal de piadas que sempre desaguam em sangrias às economias populares.
Mesmo com nossa leitura de analfabetos funcionais, produzidos por décadas de ensino voltado para a marcação de “X”, não podemos nos dar ao luxo de não entender a mensagem que vem das águas de junho. As águas sempre ocupam os espaços vazios e não há como negar que esses espaços sejam, hoje, a inoperância das instituições (executivo, legislativo e judiciário) - que abusam do poder que lhes foi concedido e fazem da eficiência, que é sua obrigação, moeda de troca que pavimenta o caminho da corrupção; o abandono da educação – cuja qualidade foi transferida para o “esforço individual”; o sucateamento da saúde – que se estrangula no cordão umbilical de seu modelo tecnologizado e a péssima qualidade dos serviços públicos – que não servem ao interesse público, mas funcionam apenas no interesse de particulares.
Não se iludam os poderosos de plantão. As águas de junho correrão por muito tempo, com ou sem plebiscito (sempre benvindo), com ou sem reforma política (sempre benvinda), com ou sem partidos políticos (necessários, mas insuficientes), com ou sem a grande imprensa (necessária, se independente), com ou sem o apoio do Congresso Nacional (necessário, se cumpre o seu papel de fiscalizador dos governos), com ou sem o apoio do Ministério Público (necessário, se não cometer abusos). A ocupação das praças e avenidas do país por brasileiros anônimos é apenas o começo de uma jornada cuja única bandeira é o Brasil que o povo que passado à limpo.

Chico Morbeck