OPINIÃO: Otávio Rodrigues Paes Leme
Ives Gandra, jurista brasileiro |
O erro de José Dirceu foi não ser torturador da ditadura de 1964. Teria sido anistiado numa boa, e por quê? Só me ocorre uma explicação plausível: se torturadores forem punidos, ninguém quererá ser torturador no próximo golpe.
E quanto ao próximo golpe? Bom, se não está havendo golpe, há duas explicações plausíveis. Uma é a de que o país não está em perigo. Quando os golpistas entenderam (e basta eles entenderem, todo mundo mais podem ser de opinião diferente que não importa) que o país estava em perigo, deram o golpe e pronto. Se não dão golpe agora, o país não está em perigo. Corrupção não coloca o país em perigo.>>>
Outra explicação possível: os golpistas não se sentem com moral para combater a corrupção. É só ler http://www.correiodopovo.com. br/blogs/juremirmachado/?p= 2766 A corrupção correu solta durante a ditadura militar. http://falandoverdadesbr. wordpress.com/2012/12/02/a- corrupcao-na-ditadura-militar/
E especialmente aqui:
É fundamental levar em conta o apreço e apego de Geisel à ordem e à hierarquia. A verdade é que o sistema militar havia perdido o controle sobre o aparelho de segurança e de informação. Era preciso reprimir a repressão, conter seus excessos, enquadrá-la na hierarquia e disciplina militar. Impor-lhe a cadeia de comando. Para ele, a revolução envelhecera, estava na contramão da história. Mais que isso: desfigurara-se, deteriorara-se. A censura, travando a fiscalização da imprensa, facilitava a corrupção, inclusive de militares e ex-militares. Era essa a avaliação de Geisel, segundo o almirante Faria Lima: "Ele se instalou lá naquele Palácio do antigo Ministério da Agricultura para trabalhar na organização do seu programa de governo. Na verdade, ele já estava se preparando há muito tempo. Ele me disse, naquela ocasião que ia fazer a abertura. E eu disse a ele: 'O senhor acha que é a hora para fazer a abertura?' Ele me respondeu: 'É. Porque a corrupção nas Forças Armadas está tão grande, que a única solução para o Brasil é abertura.'" Por outro lado, a repressão política criara um poder militar paralelo, autônomo, enfraquecendo os comandos, prejudicando a hierarquia e a disciplina, ameaçando a ordem dentro das próprias Forças Armadas. A concentração excessiva de poder no governo, se por um lado significava força, por outro expunha o governante. E a tão temida ameaça comunista mostrava-se cada vez mais improvável, distante, descartada.
Então, fica bem claro que, para os golpistas, corrupção não é problema, desde, naturalmente, que os golpistas estejam no poder. Corrupção passa a ser problema quando quem está no poder não é golpista. Entretanto, mesmo assim, falece aos golpistas moral para darem o próximo golpe alegando abertamente necessidade de combate à corrupção.
Então não se trata apenas da condenação sem provas de José Dirceu. É mais do que isso. Esse 'escândalo' do mensalão é falso moralismo, de alto a baixo. Só há escândalo quando interessa aos golpistas. Quando a ditadura estava no poder, não havia escândalo, embora a corrupção corresse à solta. Então, em nome de quê a corrupção não pode correr à solta agora?
Ou restaure-se a moralidade, ou nos locupletemos todos, dizia Stanislau Ponte Preta.
Podem escrever: no próximo golpe, haverá corrupção desbragada, mas os punidos serão aqueles que a denunciem, não aqueles que a cometam. Esse é o Brasil, corrupto desde o início - o que varia não é a corrupção, mas quem é punido, se os corruptos (ou meramente acusados de corrupção, sem prova) ou os denunciantes da corrupção (nas fases de ditadura explícita). O resto é conversa fiada.
Agora: no próximo golpe, os torturadores, como sempre, poderão se banquetear. Para eles, nem pensar em punição. Corrupto, pois, no Brasil, em sistema democrático, corre certo risco - em regime ditatorial, não corre risco nenhum. Torturador, também, em regime democrático corre certo risco - em regime ditatorial, não corre risco nenhum. Ninguém denunciará corrupção nem tortura na próxima ditadura. Se o fizer, corre sério risco de ser acusado de corrupção e de ser torturado como comunista. Pois, como todo mundo sabe, comunista é sempre corrupto.
Quanto a condenações sem provas, a partir de agora estamos todos sujeitos a ela. Então, será que vale o esforço de conduzir-se de modo a não dar azo a acusações? Talvez não. Diante da inevitabilidade da condenação sem prova, de certo modo tudo se torna permitido. Não há mesmo como se defender, então cuidar-se para quê?
Sobre esse tema leia nesse blog: O STF TEM FOME DE QUÊ?