sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O CONSENSO É A GUILHOTINA DO SENSO COMUM

OPINIÃO
A imprensa será a primeira a engolir o próprio veneno

O Brasil adora consensos, pouco importando que sejam pobres ou superficiais. Seja por comodismo ou preguiça de pensar com a própria cabeça, as notícias e as ideias vão se repetindo ao infinito, seja das agências internacionais para as nacionais (caso das notícias dos conflitos no mundo árabe e da realeza inglesa), seja das agências nacionais para os pequenos jornais espalhados pelo país. Uma repetição muito maior do que a propaganda dos bancos e, pior, sem qualquer regulamentação que proteja o consumidor quanto à qualidade das notícias.>>>
Muito fácil perceber isso, basta navegar pela televisão entre os telejornais das diversas emissoras. É o que se verá. Somos uma sociedade com pouca experiência no oposto do consenso: o dissenso. Isso é preocupante quando se observa que o consenso produz paralisia na cultura, na inteligência, na criatividade e na inovação.
No campo do dissenso, em que também se desenvolve a democracia, a sociedade brasileira tem pouca experiência, pois demonstra enorme dificuldade de dialogar para o crescimento das partes em oposição, preferindo - como se pode comprovar no mundo acadêmico, político e jornalístico -, promover debates em que se evitam visões opostas. O resultado é o sono dos ouvintes ou o desespero dos que tentam polemizar no tempo burocrático dos minutos cronometrados. Isso quando não lhes é permitido, apenas, encaminhar “perguntas” escritas aos debatedores.

Essa realidade é fruto de um aprendizado superficial da história brasileira, onde ainda se fala em Duque de Caxias como herói, quando ele, como lacaio dos ingleses na aliança entre Brasil, Uruguai e Argentina, foi um dos carrascos da destruição do Paraguai no século XIX, cuja “ameaça” era não se submeter à invasão das quinquilharias comerciais da revolução industrial europeia.

Se apenas o papel do Brasil nessa guerra ainda não foi revistos, imagine admitir que essa guerra traiu os escravos brasileiros que, atraídos pela propaganda da participação dos negros na Guerra Civil Americana, nela se alistaram para alcançar a alforria, mas que, ao contrário daqueles, nada receberam em troca. Quem foram esses soldados negros?
De modo idêntico, a Guerra de Canudos - que a historiografia oficial tenta reduzir a um movimento místico com viés político monarquista perpetrado por pobres almas incivilizadas, é uma prova inconteste do dissenso em que se construiu as bases da brasilidade. Apesar disso, os vinte e cinco mil habitantes de Canudos, encrustados em suas “favelas” – nome das vilas ao pé dos morros que foram edificadas na esperança de construir uma alternativa de nação para os abandonados, não entraram para a história como exemplo de resistência da pobreza e da miséria. Deixaram, como legado para a historiografia, apenas o nome favela como indicação da pobreza nos rincões do Brasil, pela similaridade aos olhos da elite – de hoje e de sempre – que ainda vê em qualquer resistência ao massacre econômico e social das populações empobrecidas uma ameaça aos seus intocáveis privilégios.

Descuido idêntico com o papel dos movimentos sociais de resistência, de independência, de autonomia, de abolição e da nascente identidade nacional (brasileira), ainda hoje mantêm na obscuridade histórica o papel das massas populares, dos indígenas e dos negros, escravos ou não. Zumbi dos Palmares, a Guerra do Contestado, a Guerra dos Alfaiates, as Balaiadas e a Inconfidência Mineira, são apresentadas como “curiosidades” históricas enquadradas em algum tipo de “desvio” místico, populista ou regional sem vínculo com as suas conjunturas locais e mundiais. Ninguém imagina as escolas jesuíticas, as faculdades nascentes nos séculos XIX e XX tratando desses movimentos como autênticos indicadores da nacionalidade brasileira ou formadores da nação Brasil. Tão indevassavelmente foi construída – e perpetuava-se - essa couraça histórica que só registrou as encenações da elite brasileira, que foi necessário criar a Lei nº 11.645/2008, para que os negros e os indígenas pudessem entrar nas salas de aula das escolas atuais de cabeça erguida.

O dissenso, pois, é a fonte de onde brotou e brota o enriquecimento de nossa nacionalidade. Lição mais do que conhecida pelos que estudaram a filosofia, a sociologia e a antropologia. Áreas de conhecimento prontamente banidas pelas elites autoritárias em todos os momentos históricos brasileiros em que as camadas populares ousaram ameaçar as bases do edifício de verdades insustentáveis com que as elites subjugam e mantêm no empobrecimento a nação verde e amarela.

O consenso midiático pode ser um perigo para a sociedade, pela força com que reproduz o senso comum e o potencializa. No atual processo de banalização do senso comum, não é absurdo que a população queime e deprede ônibus e bancos como represália à péssima qualidade ou aos altos custos, pois a imprensa repercutiu com estardalhaço as primeiras depredações feitas por “bandidos” em represália à morte de comparsas. O senso comum pensa assim: se eles podem nós também podemos.

Do mesmo modo, não seria absurdo admitir que deputados, senadores, prefeitos, governadores, vereadores ou presidente da República, fossem sumariamente linchados por populares por serem “corruptos” e incorrigíveis todos os políticos. Do mesmo modo, não seria inimaginável que as Organizações Não Governamentais fossem depredadas país afora, porque seriam “instrumentos” de desvio de dinheiro público, todas elas. Creio que não há necessidade de outros exemplos para que se possa lembrar do papel do senso comum na ascensão do nazismo na Alemanha de Hitler, que em 30 anos saiu das cinzas para o holocausto e a Segunda Guerra Mundial. E observe que a mídia daquele tempo só passou às mãos dos nazistas em 1933 e nem existia televisão e sua força de persuasão nas mentes da população.


Para que as conquista sociais e políticas brasileiras não naufraguem nas mãos do senso comum é urgente que a imprensa aprenda e incorpore em suas análises a importância do dissenso, estimulando o debate, que só pode se dar entre opiniões opostas. No caso de uma reviravolta política com tendência à extrema direita - que será degustada como manjar dos deuses pelos aprendizes de consenso, o fim da liberdade de imprensa será uma das primeiras medidas a serem propostas pelos novos algozes do totalitarismo (ponto 23 do Programa de 25 pontos do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães - Partido Nazista). Aí a imprensa beberá o veneno que inoculou nas mentes dos seus leitores, ouvintes e telespectadores. Acorda imprensa, o consenso é a guilhotina do senso comum.