OPINIÃO
Está bem certo que Tancredo não era um adepto fervoroso da verdade e do pão-pão queijo-queijo, como muitos outros políticos de sua mesma safra que acabaram presos, mortos ou defenestrados pelas ditaduras de plantão no governo. Sua especialidade na política era a sobrevivência política mesmo à custas do imponderável: uma arte inegável do político mineiro, que o fez sobreviver no olho dos furacões desde a era Vargas, de quem foi ministro da Justiça e de Negócios Exteriores.
Não obstante essa característica muitas vezes impalpável de sua trajetória, era um homem simples, o que nos desautoriza a incluí-lo no rol dos políticos que usam a mentira para obter vantagem pessoal. Em seus últimos dias, enfrentou de peito aberto e com o apoio das ruas (Diretas Já!) o que parecia ser a última artimanha da ditadura militar, aceitando ser candidato à Presidência da República, pela “oposição”, num colégio eleitoral de deputados carimbados (eleição indireta), sendo eleito em 15 de janeiro de 1985.>>>
Diga-se, de passagem, que vivíamos o bipartidarismo, representado por dois partidos autorizados pelos ditadores: a Arena e MDB, já que à época a complexidade do pensamento de caserna não conseguiu ir além do sim e do não; do bom e do ruim; do errado e do certo.
Temos razão de sobra, portanto, para fazer correção à grotesca e insidiosa divulgação pelo Correio Braziliense (12-09-2013) de uma homenagem feita à Tancredo Neves no Panteão da Pátria e da Liberdade no dia 11 de setembro (fatídico dia!), em que Aécio Neves, seu neto e candidatíssimo à Presidência da República pelo PSDB em 2014, mente afirmando que ele foi o primeiro presidente eleito após a ditadura militar.
É inegável o valor de Tancredo Neves para a democracia brasileira, seja como advogado, ministro de Getúlio Vargas, governador de Minas Gerais, deputado estadual e federal, senador ou empresário do ramo bancário. Na crise da renúncia de Jânio Quadros da presidência da República, em que os militares Odílio Denys (Exército), Gabriel Grün Moss (Aeronáutica) e Sílvio Heck (Marinha) não aceitavam que o Vice-Presidente João Goulart assumisse o cargo, Tancredo foi peça chave para aprovar o parlamentarismo que o elegeu Primeiro Ministro e que permitiu a volta de João Goulart ao Brasil. Empossado sem os poderes que deveria ter.
Na introdução ao código civil brasileiro há um artigo que diz não ser aceitável que alguém diga que não cumpriu aquela lei porque a desconhecia. Para o caso dessa mentira deslavada do senador Aécio Neves, que aceita o Colégio Eleitoral, montado pelos militares, como substituto do exercício democrático do voto pelo cidadão, manchando a biografia de Tancredo com o título de “primeiro presidente eleito após a ditadura”, há de se estabelecer uma regra que impeça o político de mentir, para que as novas gerações recebem a ética como princípio inquestionável da política. A mentira fundamentou todas as barbáries históricas: o extermínio de populações indígenas e nativas pelos colonizadores ingleses, franceses, espanhóis, portugueses e holandeses nas américas e na África, o extermínio de judeus pela Alemanha de Hitler, as invasões do Vietnã, do Iraque, do Afeganistão entre tantas outras que o mundo civilizado quer lembrar para não esquecer.
As informações que inseri nesta contestação não são fruto apenas da experiência pessoal, mas encontram-se disponíveis em sites enciclopédicos de fácil acesso pela internet, o que nos permite duvidar das boas intenções do senador e da imprensa na homenagem à Tancredo Neves. Começa mal a campanha do presidenciável Aécio Neves do PSDB. O Panteão da Pátria e da Liberdade não foi erigido para garantir a liberdade de mentir. Ferindo a história e a memória nacional, a trajetória do senador já está definida: a galeria dos esquecidos.
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2013